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Espero que esteja tudo bem, depois de um início de semana histórico e atribulado. Quem escreve hoje é Gonçalo da Silva Amaral, estagiário.
E sou eu a escrever esta carta porque de toda a gente que faz parte da Mensagem, eu fui o que teve a experiência mais radical de… vizinhança, neste dia difícil.
Um dia histórico também para a mercearia Mercado da Maria, em Penteado, na Urbanização Quinta do Chora, concelho da Moita, distrito de Setúbal.
Um dia histórico para uma mercearia? Sim.
Às 11h30 de dia 28, o país ficou sem luz, e em alguns sítios como no Penteado, sem água, e sem saber quando tudo voltaria ao normal.
No meio do caos a mercearia da minha vizinha Maria João continuava aberta. Mas quando desci para ir comprar água - talvez empurrado pela confusão do “Isto vão ser três dias!” gritada por uma vizinha, ou “não, vai ser uma semana!”, de outro, já com um garrafão de cinco litros em cada mão - percebi que também na loja o caos estava instalado: luzes apagadas, muito calor, vidros dos frigoríficos embaciados e filas gigantes para pagar.
Já só havia águas de 1 e meio litro. As de 5 litros já tinham ido todas. Com sete garrafas num cestinho eu e a minha mãe fomos para a fila. Na altura de pagar… Mas qual é o preço das águas? Não sabíamos e isso era crucial, porque sem eletricidade era impossível registar os produtos.
A vizinha Maria João anotava tudo o que era vendido num caderno, tremendo na sua letra frágil. O preço já não estava junto da prateleira das águas. E para o encontrar a vizinha teve de folhear três folhas das contas antigas e lá encontrou a marca destas águas. Abria a calculadora do telefone, que várias vezes se desligava pelo nervosismo dos dedos.
Então eu perguntei se ela precisava de ajuda. De alguém que fosse indicando os preços, assim que os produtos chegassem à caixa. “Sim, se quiserem ajudar venham”, respondeu a Maria João. E assim foi, num início de tarde quente de apagão no Mercado da Maria. “Quanto é que custam estas bolachas?” “80 cêntimos”. “As latas de atum?”, “1,20€ cada, 1, 20€ cada uma”, gritei encostado à prateleira dos vinhos que permanecia intacta.
A minha performance foi notada, e deu origem a outro desenrascanço de vizinhança: os vizinhos começaram a fotografar as etiquetas para depois mostrarem na caixa. Sem a vizinhança, a vida da Dona Maria João teria sido impossível - mesmo assim teve de fechar três horas mais cedo. Neste dia histórico para a mercearia.
Só por volta das 23h30, a luz chegou. No resto da semana, a mercearia funcionou com luz. Atrevo-me a dizer: com uma nova luz. A luz de se saber parte de uma comunidade de ajuda e apoio. Uma vizinhança, enfim.
E por aí? Sentiu a sua vizinhança? Sentiu-se seguro com a sua vizinhança?
Espero que sim! Até breve!
Gonçalo da Silva Amaral
Texto recebido por e-mail: Mensagem de Lisboa <geral@amensagem.pt>.
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